domingo, 22 de abril de 2012

DESCOBRIMENTO DO BRASIL

Bahia, Alagoas ou Rio Grande do Norte?
Onde teria sido o verdadeiro porto seguro de Cabral?

Fábio Costa
Jornalista



Segundo a História oficial, foi nas terras onde está localizado atualmente o município baiano de Porto Seguro que, em 1500, uma esquadra portuguesa comandada por Pedro Álvares Cabral desembarcou pela primeira vez no lugar que viria a se tornar o Brasil. O fato, entretanto, é questionado por vários pesquisadores, que se baseiam em evidências náuticas e documentos históricos para tentar provar que o verdadeiro local do Descobrimento não foi o litoral baiano.
Disputam esse título com Porto Seguro o Cabo de São Roque, no Rio Grande do Norte, e o litoral de Coruripe, em Alagoas. Os pesquisadores que contestam a versão oficial defendem a realização de um estudo sério, com a participação de especialistas de várias áreas, para determinar a rota exata de Cabral. Durante as comemorações dos 500 anos do Descobrimento, porém, a polêmica foi solenemente ignorada pelos organizadores dos festejos oficiais.

Polo turístico



Porto Seguro é hoje um polo turístico que vem se desenvolvendo muito nos últimos anos. Para as autoridades locais, sua natureza exuberante guardaria ainda muitos dos traços descritos na carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão oficial da esquadra de Cabral.
Todo o município é tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional desde 1976. Na preparação para as comemorações dos 500 anos do Descobrimento, Porto Seguro recebeu da Prefeitura e dos governos estadual e federal volumosos investimentos em sua infraestrutura básica. Diversas obras, como a ampliação do aeroporto, abertura da BA-001 – estrada ligando Porto Seguro a Trancoso e Arraial d´Ajuda –, construção do sistema de esgotamento sanitário, estação de tratamento d´água, construção de dois modernos colégios, hospital regional, calçamento de ruas e avenidas, entre outras, transformaram a cara da cidade.

A descrição de Caminha

Os estudiosos que defendem a tese baiana do Descobrimento se baseiam nas descrições de Pero Vaz de Caminha e outros registros da época sobre o local do desembarque da frota de Cabral. Segundo o historiador e jornalista Eduardo Bueno, no entardecer do dia 22 de abril, as terras do Brasil foram descobertas. Cinco anos depois, com auxílio de um astrolábio, mediu-se a latitude do território recém-descoberto. O resultado foi “aproximadamente” 17 graus de latitude sul – Porto Seguro, na Bahia, se localiza, a 16º 21´ 22” –, embora o próprio autor da medição tenha escrito ao seu rei não ter certeza sobre a exatidão de seus dados.
Segundo Caminha, no dia 21 de abril, uma terça-feira, apareceram sinais de terra quando as embarcações estavam a 660 a 700 léguas do futuro Brasil. No dia seguinte, os portugueses depararam com aves chamadas “fu rabuchos” e à tarde avistaram terra. “Primeiramente um grande monte muito alto e redondo, e outras serras mais baixas ao sul dele, e terra plana com grandes arvoredos”, relatou o escrivão da esquadra.
Ao monte alto, o capitão Cabral pôs o nome de “Monte Pascoal” – por estarem no período da Páscoa – e à terra, “Terra de Vera Cruz”. Na quinta-feira, 23 de abril, pela manhã, levantaram velas e seguiram direto para a terra, com os navios pequenos na frente. Quando estavam a meia légua da terra, lançaram âncora em frente à boca de um rio, por volta das 10h, avistando sete ou oito homens andando na praia. Depois outros dez ou 12 nativos estavam na praia.
Na noite do dia 23 para 24 de abril, de acordo com o relato de Caminha, ventou muito. Por conselho dos pilotos (especialistas em navegações, que orientavam capitães), o capitão-mor, Pedro Álvares Cabral, mandou levantar âncora e fazer vela em torno das 8h da manhã do dia 24. A esquadra seguiu em direção norte ao longo da costa, em busca de abrigo e bom pouso para pegar água doce e lenha.
Navegando até o pôr do sol, no dia 24 de abril, como descreve Caminha, “os navios pequenos, que navegavam mais chegados à terra [a cerca de meia légua da praia] (…) encontraram um recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro, com mui larga entrada. Entraram dentro e arriaram as velas, o que significava sinal de bom porto, como haviam combinado”.
O porto, ainda segundo Caminha, foi encontrado pelos navios pequenos a cerca de dez léguas acima do local no qual fizeram os primeiros contatos com os índios. Para alguns estudiosos, provavelmente no que hoje é chamado de Rio Caí (município de Prado-BA) ou no rio do Frade, localizado na praia de Itaquera (Porto Seguro). Nesse ponto, começa outra questão polêmica.

As controvérsias sobre o verdadeiro “porto seguro”

Alguns pesquisadores divergem sobre a verdadeira localização do “porto seguro” no território baiano. Oficialmente teria sido na Coroa Vermelha, entretanto, para outros estudiosos, trata-se na verdade da foz do rio Buranhém, que sempre teve um recife natural.
O assunto sempre foi polêmico e acredita-se até que a Coroa Vermelha tenha sido escolhida simplesmente para que o sítio histórico do Descobrimento fosse mais ampliado, trazendo vantagens econômicas para o turismo.
Em sua carta, Pero Vaz de Caminha descreve que, no dia 24 de abril de 1500, os portugueses partiram de um rio – que poderia ser o Caí – em busca de um porto seguro, onde pudessem proteger suas embarcações das ondas fortes, ainda hoje comuns nos dias de vento sul.
Ao encontrarem o porto, antes do pôr do sol, as naus grandes, que acompanhavam as pequenas, ancoraram em profundidade de 11 braças, a cerca de uma légua do recife (supostamente do recife ainda encontrado hoje, formado naturalmente em linha reta, como se tivesse sido construído artificialmente, para separar o mar e o rio Buranhém, formando um grande porto).
Segundo o relato de Caminha, ao longo das margens do rio que desemborca no local do desembarque da esquadra de Cabral, havia multas palmas não muito altas. No domingo, 26 de abril, após a primeira missa, portugueses colheram e comeram muitos palmitos nas margens do rio, que tinha muita e boa água.
Caminha relata ainda que os nativos, depois de dançarem ao som das gaitas dos portugueses, riram muito e depois “foram para cima, esquivando-se como animais monteses”. Para alguns estudiosos, esse trecho da carta levaria ao raciocínio de que o local da primeira missa foi próximo aos atuais outeiros da Gloria e do Centro Histórico de Porto Seguro, porque na Coroa Vermelha é tudo plano, não havendo para onde subir.
A lagoa que é citada na carta de Caminha poderia ser, na opinião dos pesquisadores, a que ainda existia há pouco mais de 50 anos, no trecho final da atual Avenida dos Navegantes. Foi ela que deu origem ao nome do atual bairro Lagoa Grande. Arqueólogos da Universidade Federal da Bahia encontraram sinais de que parte da cidade baixa de Porto Seguro já foi submersa.
Segundo Carlos Alberto Parracho, ex-prefeito de Porto Seguro, o bairro Lagoa Grande de hoje no passado chamava-se Areião, por causa da grande quantidade de areia que o braço do rio Buranhém acumulava no local. Na área, havia uma imensa lagoa que era ligada a outras que se formavam no braço do rio nas marés altas. Para ele, todo esse cenário foi muito bem descrito por Pero Vaz de Caminha em sua carta ao rei, no ano de 1500.
(Matéria publicada originalmente em O JORNAL - abril de 2000)

LEIA MAIS:
O porto seguro de Cabral em Alagoas

DESCOBRIMENTO DO BRASIL

O porto seguro de Cabral em Alagoas

Fábio Costa
Jornalista




Nem a Bahia nem o Rio Grande do Norte. As primeiras terras brasileiras avistadas pela esquadra de Pedro Álvares Cabral no dia 22 de abril de 1500 teriam sido, na verdade, as do litoral sul alagoano, mais precisamente as falésias de Coruripe. A tese é defendida por vários estudiosos, entre eles Jayme de Altavilla, em seu livro “História da Civilização Alagoana”, editado pela primeira vez em 1938.
Altavilla – que chegou a expor sua tese durante uma conferência nacional de institutos históricos e geográficos, em 1940 – se baseia nos relatos do navegador holandês Alexander von Humboldt, segundo o qual as primeiras terras avistadas por Cabral estavam a 10 graus de latitude sul, o que corresponde às atuais regiões de Coruripe, Jequiá, Poxim e Barreiras. O monte arredondado avistado pelos navegantes e batizado como “Monte Pascoal” seria a serra da Naceia, em Anadia. Do local é possível ter uma vista grandiosa do mar, segundo os moradores.
A tese alagoana é reforçada pelas descrições da nova terra contidas na carta de Pero Vaz de Caminha ao então rei de Portugal, D. Manuel. Num dos trechos, o escrivão oficial da esquadra relata … “que o capitão passou o rio, com todos nós outros, e fomos até uma lagoa grande de água doce, que está junto com a praia, porque toda aquela ribeira do mar é apanhada por cima, e sai a água por muitos lugares”. Para Altavilla, o rio de que trata Caminha é o Coruripe. No caso da lagoa grande, seriam as diversas lagoas localizadas na foz do rio Poxim ou mesmo a lagoa do Jequiá, que está ligada ao mar por um rio-canal e é de fácil acesso.
Em outro trecho da carta, Caminha diz que “a terra traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas, outras brancas”. O estudioso alagoano entende essa descrição como as barreiras de Jequiá. Para o historiador e professor da Ufal João Ribeiro Lemos, entretanto, a descrição combinaria melhor com as barreiras do povoado Barreiras.
Altavilla afirma que a topografia de Coruripe é a mesma descrita na carta de Caminha e, mais para o sul, encontra-se a enseada do Pontal de Coruripe, o provável ancoradouro da esquadra de Cabral e onde teria havido o primeiro contato dos portugueses com os nativos brasileiros.

Evidências estão na carta de Caminha

Na opinião de alguns estudiosos, nem em Ilhéus, nem em Porto Seguro, ou nem mesmo em toda a costa baiana, é possível encontrar as “barreiras altas e avermelhadas”, um monte muito alto e redondo com terras chãs ao sul ou os rios e lagoas que constam na história oficial do Brasil.
Para os que defendem a tese alagoana, a paisagem descrita por Caminha seriam, na verdade, as falésias (barreiras avermelhadas e brancas) de Coruripe, São Miguel dos Campos, Gunga e Barra de São Miguel, todas em Alagoas, vistas do mar que banha a costa alagoana. Até mesmo o pesquisador potiguar Lenine Pinto – que defende a tese segundo a qual Cabral teria chegado primeiramente ao Cabo de São Roque, no Rio Grande do Norte –, admite que a hipótese de Coruripe não pode ser descartada. Para Lenine, apenas o sul da Bahia estaria completamente fora de questão.
Outra evidência que depõe contra a versão baiana do Descobrimento é o fato de que na região de Porto Seguro não existe nenhuma lagoa de água doce. No local, há apenas três pequenas lagoas salgadas, cuja comunicação com o mar só ocorre nas marés altas.
Ao descrever as grandes barreiras vermelhas e brancas, Caminha afirma que “a terra por cima toda chã e muito cheia de arvoredos (…) será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa (…) De ponta a ponta, é tudo praia-palma, muito chã e muito formosa”. A extensão citada corresponde a um trecho de 100 a 140 quilômetros e é praticamente a distância entre a Praia do Gunga e o Pontal de Coruripe, no Miaí. São 110km de praias, onde se podem ver as “barreiras altas, umas vermelhas, outras brancas e muito plana e muito formosa”.
Segundo o historiador Max Justo Guedes, na obra “A Viagem de Pedro Álvares Cabral”, o navegador dirigia-se a noroeste quando avistou um “grande monte, muito alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos”. Considerando-se tal relato como o que de fato ocorreu, não seria possível avistar serras ao sul do Monte Pascoal na Bahia. Visto de noroeste ou de oeste, o Pascoal surge com um monte isolado, sem que apareçam as tais “serras mais baixas”, nem as barreiras altas.

A beleza dos caetés

“Estou convencido de que o primeiro ponto de terra avistado pela esquadra portuguesa foi Coruripe, onde Cabral entrou com os navios para pegar água e onde ocorreu o primeiro contato com os nativos brasileiros”, afirma o professor João Ribeiro Lemos. Ele explica que o Pontal de Coruripe é defendido por arrecifes, mas tem aberturas por onde passam as embarcações. “É possível que a esquadra tenha descansado na enseada do Pontal do Coruripe e pelo menos a nau despensa, que levava os mantimentos, entrou no rio Coruripe para pegar água e lenha”, diz Lemos.
Segundo ele, nas Barreiras, em cima de uma colina que se derrama sobre o mar, existe um lugar chamado “Espia Grande”, que oferece uma vista deslumbrante. Lá, os caetés tinham sua aldeia e vigiavam o mar. De acordo com notas do visconde de Porto Seguro, em seu livro “História Geral do Brasil”, os caetés eram os mais famosos navegadores das costas brasileiras. Faziam embarcações para 15 guerreiros com folhas de peri-peri (uma espécie de junco) e com elas desafiavam os mares. Consta que chegavam por mar à Bahia e a Pernambuco. O segredo dessa técnica de construção de barcos nunca foi desvendado.
Na obra sobre a história de Coruripe, João Ribeiro Lemos afirma que o primeiro contato entre os portugueses e os caetés ocorreu na foz do rio Coruripe (ou Corugip, na versão dos nativos), onde entrou a nau-despensa para se reabastecer. Há relatos de que a água usada a bordo já estava apodrecida, a ponto de dois índios a quem os marujos ofereceram água terem se recusado a bebê-la.
“Os caetés eram criaturas de rara beleza, de corpo forte e bem proporcionado, e certamente impressionaram Pero Vaz de Caminha, pela forma como ele os descreve em sua famosa carta”, ressalta Lemos. Os nativos ocupavam a região da atual Coruripe e se estendiam pelo território alagoano. Eles tinham estatura mediana, eram robustos e entroncados, de olhos pequenos de coloração negra, nariz meio achatado, boca grande e cabelos grossos e pretos. A pele tinha cor de folha seca.
Lemos afirma que também foi em Coruripe que os portugueses encontraram o pau-brasil. Na época do Descobrimento, as matas de Coruripe estavam cobertas desse tipo de madeira, cobiçada em toda a Europa para uso nas tinturarias, fabrico de móveis e construção. Segundo ele, há alguns anos foi descoberta no município uma mata intacta da árvore nativa, e a Usina Coruripe descobriu uma mata imensa de pau-brasil, com árvores de 25 metros de altura e até 80 centímetros de diâmetro. “Possivelmente são filhas da mata primitiva do descobrimento”.

Influência baiana na versão oficial

Para João Ribeiro Lemos, uma pesquisa mais profunda poderia trabalhar a tese de que o o Descobrimento do Brasil começou em Alagoas. Por enquanto, as únicas referências existentes se encontram em autores alagoanos, como Jayme de Altavilla. “A história dessa época é pouco pesquisada, e os atuores se limitam a copiar o que já foi escrito anteriormente”, afirma o professor.
Segundo ele, a História do Brasil sempre foi uma grande “montagem” escrita por encomenda, e a Bahia sempre teve grande influência na vida social, econômica e política do Brasil.
“Durante muito tempo, Salvador foi a capital do Brasil, e os historiadores e escritores estabeleceram que o primeiro ponto avisado pela esquadra portuguesa foi a baía de Cabrália, em Porto Seguro”, justifica. “Compete ao historiador perseguir a verdade histórica e em cima de documentos autênticos desestruturar o estabelecido”.

** Publicado originalmente em O Jornal, edição do dia 13 de abril de 2000


Leia também: O Rio Grande do Norte na rota de Cabral